A presença do Padre Caffarel

2° ENCONTRO INTERNACIONAL DOS RESPONSÁVEIS REGIONAIS
Roma, 24-29 de Janeiro de 2009


A presença do Padre Caffarel
Padre Paul-Dominique Marcovits, o.p.- Postulador
Roma, 27 Janeiro 2009
 
 
O Padre Caffarel é um homem escondido. Voluntariamente escondido, pois o apóstolo retira-se sempre diante daquele que anuncia e prega. Só Deus fica, ele desaparece. De tal modo o Padre Caffarel entendeu isto que quis que o seu enterro se fizesse na mais completa discrição. No entanto, ao ouvir testemunhos da sua vida, sobretudo ao ler os seus escritos... progressivamente  aparece a sua personalidade.
 
O Padre Caffarel era um homem de pequena estatura. Não tinha nada da imponente estatura de um herói que fascinasse as multidões. O seu nariz e as suas orelhas eram notáveis. Pequeno, magro, todo ele debruçado interiormente para alguma coisa que o habita e da qual não quer deixar-se distrair, a sua frágil silhueta devia parecer banal. Exceto o olhar. Tudo está no seu olhar. E todos foram cativados. Todos perceberam naquele olhar pousado neles uma procura: “Que há em vós? Como viveis com o Senhor? Que procurais no fundo do vosso coração?” Padre Caffarel não procurava ler o fundo das almas de maneira indiscreta! Mas qualquer pessoa era única diante dele, única também a sua relação com Deus.
 
Para entendermos esta atitude, há que voltar ao encontro decisivo da sua vida. “Aos 20 anos, Jesus Cristo, de repente, tornou-se alguém para mim. Mas não foi nada de espetacular. Nesse longínquo dia de março, fiquei sabendo que era amado e que amava, e que, daí em diante, a minha relação com Ele seria para toda a vida. Tudo estava jogado” (citado por Jean Allemand, Henri Caffarel, um homem arrebatado por Deus. Lucerna, Estoril 2007, p. 18). Um encontro assim, aparentemente tão simples, orienta e constrói toda uma vida. Foi olhado com amor por Jesus Cristo. Então ele olha cada pessoa com esta interrogação: “Com você, como é que foi? Como é que Ele o olhou?” Mais! Ele queria comunicar a sua luz a todos aqueles que encontrava. O seu olhar penetrante, como descrevem tantas testemunhas, refletia essa paixão que o Senhor tinha acendido nele: paixão por Deus, paixão pelos outros... para que também eles descobrissem que são amados e que amam.
 
Essa paixão transparece em todos os seus escritos. Amar e ser amado. O Senhor ensinou-lho. Ele ensina-o aos outros. Cada pessoa é única. É o drama de Agnès que o Padre Caffarel nos relata. Agnès fala do marido: “Ele não me amava. Amava em mim a mulher ou, melhor dizendo, a feminilidade; eu era uma amostra de feminilidade que lhe convinha. Mas, quando se apercebeu de que eu era ‘alguém’, quando encontrou o meu ‘eu’, ficou incomodado, sem saber o que fazer com um eu, com uma pessoa viva. A partir de então, passou a ter na sua vida algo a mais, que o empecilhava”. Podemos imaginar as horas de revolta, de raiva, de depressão por que Agnès passou. “Agarrou-se”, como ela própria diz, à oração. Depois acrescenta: “Hoje possuo a paz; ou antes, a paz possui-me. E, paradoxalmente, é ao meu marido que o devo. Pelo meu sofrimento de esposa mal amada, fui levada a descobrir com que amor sou amada por Deus. Doravante, já sei que Deus me ama, não como uma amostra de humanidade e porque ama a humanidade, mas porque sou a Agnès» (Henri Caffarel, Nas encruzilhadas do amor. Lucerna, Estoril 2008, pp. 59-60). Este relato deve ser lido como eco à vocação fundamental do Padre Caffarel: Jesus tornou-se “Alguém” para ele… e Henri Caffarel também se tornou alguém, a sua vida ganhou toda a sua densidade e dimensão. Agnès também se tornou alguém na oração: esposa mal amada, foi levada a descobrir com que amor era amada por Deus. A sua vida ganhou sentido e ela encontrou a paz. Digamo-lo mais uma vez: Como o próprio Padre Caffarel foi olhado com amor por Cristo Jesus, assim ele põe toda a sua energia a olhar cada pessoa com atenção, respeito e amor. O Padre Caffarel olha Agnès com aquele olhar que pergunta: “Como é a relação do Senhor com você?”. Ela responde no fim do seu relato: “Graças ao seu amor, estou reconciliada comigo mesma e com os outros. Deus libertou no meu coração as fontes do verdadeiro amor. Finalmente, vivo. E a hora da oração tornou-se a hora da vida mais intensa que existe...”.
 
Disse no início que o Padre Caffarel devia parecer banal... mas havia o seu olhar. Acrescentemos também a sua presença. Uma presença habitada pela oração, pelo silêncio, por Deus. Emanava dele uma força. Ele é capaz de impor a três mil pessoas o recolhimento absoluto durante meia hora. Quando ele fala, todos escutam. Mas há mais. É uma lenda hindu de que ele gostava que o sugere. Todos conhecem o profundo interesse que o Padre Caffarel tinha pelas outras tradições religiosas, muçulmanas, hindus, numa época em que toda uma juventude europeia e norte-americana partia para a Índia para lá fazer uma experiência religiosa. As suas leituras sobre estes assuntos são inúmeras, e ele refere-as em alguns dos seus livros. Fundou Troussures como um “Ashram cristão”, um lugar de oração, não um centro de ensino ou de retiro como os “Foyers de charité” ... mas uma casa de oração, uma casa só para Deus. Voltemos à lenda hindu. Um santo homem viveu muito tempo próximo de uma aldeia, e as pessoas alimentavam-no. No entanto, havia quem se admirasse por ele ser pouco produtivo: o santo homem não curava ninguém. Um dia, morreu. Eis a narração: “Seis semanas mais tarde, houve um crime horrível na aldeia. A população ficou perturbada de desgosto e de medo. Os anciãos começaram a jejuar e a orar. De repente, um deles exclamou: ‘Descobri o segredo’. E, diante dos aldeãos reunidos, explicou: ‘É verdade que, enquanto viveu na gruta, o santo homem nunca levantou um dedo para nos ajudar […]. Mas a virtude gerava virtude, a vida produzia vida. Tudo corria bem entre nós. Enquanto o santo viveu entre nós, nenhum homem tirou a vida ao seu irmão. A pista não é clara? Ele nunca trabalhou para nós, mas a sua presença de leão afastava das nossas portas o lobo da infelicidade’” (Henri Caffarel, Na presença de Deus. Cem cartas sobre a oração. Lucerna, Estoril 2008, Carta 69, pp. 141-142). Presença do Padre Caffarel... presença do leão que afasta o lobo! A sua presença, para além do caráter mais ou menos fácil em relação aos que o rodeavam, era uma presença de nobreza e de vida. Quantas pessoas se ligaram a ele sem se lhe terem submetido. Ele permitiu que toda a espiritualidade do matrimônio e da viuvez ganhasse força, e a muitos revelou a sua grandeza. A sua presença era uma presença não voltada sobre si mesma, mas uma presença orientada para Deus. Quanta gente não ficou fascinada pelo Padre Caffarel de joelhos, sozinho, na capela de Troussures! Ele era como que tomado pelo Espírito, atraído para o mistério de Deus, e arrastava os outros para essa luz. Se lermos em voz alta páginas suas, parece que o ouvimos e, tomados pela sua palavra, queremos saber o que se segue... depressa, cativados pelas suas histórias hindus ou por descrições tão próximas de nós, depressa nos esquecemos de quem fala e escutamos o Senhor a falar em nós. É assim que o Padre Caffarel pode parecer “escondido” como dizia no início. O apóstolo apaga-se sempre diante d’Aquele de quem dá testemunho. Permitam-me um conselho: não façam uma leitura demasiado rápida, irão mais fundo no mistério do Senhor.
 
Um olhar. Uma presença. Uma inteligência. O Padre Caffarel não fez doutoramento nem, de resto, um curso seguido como fazem todos os seminaristas. Uma saúde frágil impediu-o disso. Mons. Wladimir Ghika, príncipe romeno e futuro mártir, depois o Padre Verdier, então superior do Séminaire des Carmes e mais tarde arcebispo de Paris, tomaram-no a seu cargo e permitiram-lhe fazer um percurso de estudos adaptado. O Padre Caffarel tinha uma grande inteligência prática. Refletia perante uma realidade. Nunca esqueçamos esse encontro com o Senhor: “Jesus Cristo, de repente, tornou-se alguém para mim...” Ele reconhece esta experiência e não deixa de procurar as consequências desse acontecimento fundador. Assim, a fundação das Equipes de Nossa Senhora para os casais cristãos ou, mais tarde, a Fraternidade de Nossa Senhora da Ressurreição para as viúvas, não vieram de uma reflexão, mas de um encontro: casais primeiro e, depois, viúvas que lhe pedem ajuda. Já conhecemos a resposta do Padre Caffarel: “Procuremos juntos!” Era a vontade de Deus que ele procurava e não a sua.
 
Inteligência do Padre Caffarel na escola da Virgem Maria, que “conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração” (Lc 2,19). Conhecemos, nas Equipes, a importância do estudo de um tema em cada reunião. Quanto mais se conhece mais se ama, o amor exige conhecimento. Assim, a vida pode surgir, as fundações podem fazer-se ... Como não citar agora os conselhos tão simples e de bom senso do Padre Caffarel: “Há o risco de deixarmos definhar algumas das nossas funções fundamentais, sejam elas de ordem física, afetiva, intelectual ou espiritual. Penso na atrofia da inteligência em alguns desportistas, no subdesenvolvimento dos músculos ou da vida do coração em certos intelectuais...” Parêntese: Henri Caffarel, um desportista? Isso não salta aos olhos! Contudo, andava todos os dias uma hora e, em férias, fazia longas caminhadas... Retomo o que diz o Padre Caffarel: “Desta incúria resulta um desequilíbrio, uma perturbação da personalidade. De fato, o desabrochar do ser humano requer o desenvolvimento simultâneo de todas as funções, porque elas são solidárias e complementares” (Henri Caffarel, Nas encruzilhadas do amor. Lucerna, Estoril 2008, p. 45). O Padre Caffarel encontrou mesmo “Alguém”, pelo que todo o seu pensamento e o seu ensino decorrem de uma perspectiva concreta: É uma espiritualidade da encarnação, em que todos os homens são tidos em conta. O ensino que ele ministra em Troussures sobre a oração é característico: o corpo, o coração, a vontade... tudo se volta para Deus.
 
Concluamos. Muitas outras luzes poderiam ser realçadas. Isto não é senão uma exortação a ler e a rezar o Padre Caffarel: ele tornar-se-á assim, para todos vós como para mim, cada vez mais alguém vivo. De fato, o meu objetivo hoje é este: levar-vos a amar ainda mais esse padre a quem tanto devemos... E, se o amais, a dizê-lo, a dá-lo a conhecer! Dizê-lo, dá-lo a conhecer... Sabeis que quem vos fala é o postulador da causa de canonização do Padre Caffarel, de que a beatificação é a primeira etapa. Eu nada poderia fazer sem a vice-postuladora, Marie-Christine Genillon. Ela insistiu comigo para que vos fizesse este pedido: se amais o Padre Caffarel, dai-o a conhecer! Uma canonização é sempre a confirmação por parte da Igreja da convicção do povo de Deus que afirma a sua fé na santidade de uma pessoa. Recordai as aclamações quando da morte de João Paulo II e, antes dele, da opinião unânime do mundo inteiro relativamente a Madre Teresa. Com efeito, é canonizado alguém que adquiriu “fama de santidade”. Eis, pois, o nosso pedido concreto dirigido àqueles que conheceram o Padre Caffarel e também aos que não o conheceram: se o Padre Caffarel está hoje vivo para vós, pessoalmente, graças aos seus escritos ou graças à sua intercessão na oração, escrevei-nos. Os vossos testemunhos, sobretudo se forem em grande número, mostrarão a fama de santidade do Padre Caffarel. Da mesma forma, dizei-nos se houve alguma cura pela intercessão do Padre Caffarel; isto será também sinal de que ele está vivo para nós e de que o Senhor quer que ele seja uma luz ainda maior para a Igreja e para o mundo.
 
Para terminar, recordemos aquela palavra de João Paulo II a quem lhe observava que canonizava muita gente: “A culpa não é minha! É Deus quem faz os santos!” Deixemo-nos, pois, guiar pelo Senhor: Ele mostrar-nos-á qual é a sua vontade. Não é isso que é ser fiel ao Padre Caffarel?
 
Les Amis du Père Caffarel
49, rue de la Glacière
F-75013 PARIS