Viver como cristãos no meio de muçulmanos

2° ENCONTRO INTERNACIONAL DOS RESPONSÁVEIS REGIONAIS
Roma, 24-29 de Janeiro de 2009


Viver como cristãos no meio de muçulmanos
Mons. Michael Fitzgerald – Roma, 26 Janeiro 2009
 
 
 
Introdução
 
Em primeiro lugar, gostaria de expressar a minha gratidão aos organizadores por me terem convidado para este Encontro das Equipes de Nossa Senhora. Tenho excelentes recordações do tempo em que fui conselheiro espiritual de uma equipe em Roma, e também de três encontros internacionais: Fátima, Santiago de Compostela e Lourdes. De fato, toda a equipe de Roma participou do Encontro de Lourdes.
 
Não sei se devo agradecer aos organizadores por me terem convidado a falar sobre o tema de hoje: Viver como cristãos no meio de muçulmanos. Esperam ouvir falar da situação dos casais e das famílias que estão imersos num ambiente muçulmano, mas será, de fato, um Núncio quem deva falar disso? O que vou dizer será, naturalmente, algo teórico. Alegro-me porque, depois, os Jeangeys poderão partilhar convosco a sua própria experiência.
 
O que pretendo fazer, depois de chamar a vossa atenção para a diversidade que marca o mundo muçulmano, é falar sobre a situação dos cristãos no que diz respeito à prática da religião, ao seu papel na sociedade, à vida conjugal e à educação dos filhos.
 
A diversidade no mundo muçulmano
 
É conveniente assinalar, antes de mais, a multiplicidade étnicados muçulmanos. Como sabem, nem todos os muçulmanos são árabes, e nem todos os árabes são muçulmanos. Podemos distinguir seis grandes áreas culturais, a que eu acrescentaria ainda uma outra.
 
Em primeiro lugar, o mundo árabe. A Liga Árabe compreende 22 países, da Mauritânia a Oman, e da Argélia a Djibouti. Nem todos os habitantes destes países são árabes; alguns podem ser considerados antes como arabizados, ou seja, de outras origens, mas falando árabe. Os habitantes desta parte do mundo não constituem a maioria dos árabes do mundo, longe disso, mas, como o Islã nasceu na Península da Arábia, o mundo árabe goza de uma certa proeminência.
 
A seguir, há a zona de influência da Pérsia, com o atual Iran, mas também estendendo a sua influência ao Afeganistão, ao mundo indo-paquistanês e ao Azerbaijão. Depois, há o mundo turco, que compreende não só a Turquia, mas também os estados asiáticos da antiga União Soviética, os muçulmanos da China e as comunidades muçulmanas dos Bálcãs.
 
A zona de influência indo-paquistanesa, que inclui a Índia, o Paquistão e o Bangladesh, cada um deles, talvez, com uma população maior do que o mundo árabe, deve ser reconhecida pela sua importância real.
 
Segue-se o mundo malaio, a Indonésia (o país com a maior população muçulmana), a Malásia, Singapura, Tailândia e as Filipinas. Finalmente, temos o Islã na África subsaariana, tanto no leste como no oeste, com uma significativa presença também na República da África do Sul, embora esta seja mais de origem asiática.
 
A estas seis zonas de influência, gostaria de acrescentar o Islã da diáspora, na Europa, na América do Norte, na América Latina e na Austrália, constituído por muçulmanos de partes muito diferentes do mundo e que, em certa medida, têm um modo de vida próprio.
 
Gostaria agora de chamar a vossa atenção para a situação de maioria-minoria, pois tem repercussões nas relações entre cristãos e muçulmanos.
 
Os muçulmanos estão em maioria na maior parte dos países do Oriente Médio, nos países do norte de África e também no Iran, na Turquia, no Paquistão e em Bangladesh, no Senegal, no Sudão e no Chade. Os muçulmanos constituem uma minoria da população na Índia (embora rondem os 150 milhões) e na China (talvez 60 milhões), nas Filipinas, no Uganda e no Quênia, na Costa do Marfim e na República Democrática do Congo e, evidentemente, na diáspora. Convém lembrar, no entanto, que, sendo minoritários em relação ao conjunto do país, os muçulmanos podem constituir a maioria numa dada região, como em partes do sul das Filipinas, ou em certos bairros das nossas cidades da Europa.
 
Há países em que a componente cristã e muçulmana da população é mais ou menos igual: por exemplo, no Líbano, na Nigéria, na Tanzânia.
 
Outros países há em que tanto os cristãos como os muçulmanos estão em minoria: na Índia, na Tailândia, no Sri Lanka – e somos tentados a dizer na Europa secularizada. Onde ambas as comunidades estão em situação de minoria, há mais hipóteses de entendimento e de cooperação.
 
Outro fator a ter em conta é se os cristãos e os muçulmanos pertencem ao mesmo grupo étnico. No Egito poder-se-ia dizer que, de uma maneira geral, muçulmanos e cristãos pertencem ao mesmo povo. Na verdade, os cristãos poderiam pretender ser os primeiros egípcios (coptas). Pelo contrário, todos os cristãos dos Estados do Golfo são estrangeiros, e praticamente a mesma coisa se passa nos países do norte de África. Na Nigéria, dois grandes grupos étnicos caracterizam-se pela sua pertença religiosa diferente: Os Igbos cristãos e os Hausa muçulmanos, enquanto nos Yoruba há tanto cristãos como muçulmanos. O mesmo se verifica nos Baganda, na Uganda. Onde a pertença étnica é partilhada, as relações são, geralmente, mais fáceis.
 
Um último fator que influencia a situação dos cristãos é a natureza dos regimes políticos. Em muitos estados árabes há uma referência constitucional ao Islã, o que cria dificuldades aos cristãos. A Síria é governada por um grupo islâmico minoritário, que é talvez a razão pela qual os cristãos se encontram numa posição um pouco melhor. O Líbano tem o seu regime particular, que se poderia definir como de “cooperação comunitária”. A Indonésia, com a sua pancasila, reconhece cinco religiões.
 
A prática da religião
 
Vou agora considerar os diferentes aspectos da situação em que os cristãos se encontram. As reflexões que se vão seguir baseiam-se sobretudo, mas não exclusivamente, na minha experiência no Egito. Em primeiro lugar, a prática da religião.
 
Na maioria dos países muçulmanos, há liberdade de culto. A exceção é a Arábia Saudita, em que o culto cristão público é proibido. Em todos os outros países do mundo árabe, as comunidades cristãs têm igrejas e podem reunir-se nelas, embora possa haver dificuldades em obter autorização para reparar igrejas ou construir novas. De uma forma geral, nos recintos das igrejas as comunidades cristãs têm liberdade para fazer o que quiserem: organizar aulas de catequese, empenhar-se em outras atividades paroquiais, fazer procissões, organizar festas.
 
Em muitos países de maioria muçulmana, os cristãos podem abrir escolas. Estas são, praticamente em todos os casos, abertas tanto às crianças muçulmanas como às cristãs. As escolas católicas, em geral, gozam de boa reputação. Em alguns países, as escolas foram nacionalizadas, e isto levanta problemas à transmissão da educação cristã. Mesmo onde existem escolas cristãs, estas nem sempre são suficientes para acolher todos os cristãos. Há pais que também preferem pôr os filhos em escolas públicas, por estas serem gratuitas, a ter de pagar contribuições monetárias em escolas cristãs privadas. Por isso, é importante que as paróquias organizem catequeses (de preferência à sexta-feira). Isto é tanto mais necessário quanto, no mundo árabe pelo menos, a cultura ambiente é muito fortemente influenciada pelo Islã. Os programas de língua árabe são marcadamente islâmicos (e no Egito são praticamente sempre ensinados por muçulmanos).
 
Se há liberdade de culto, não há geralmente verdadeira liberdade religiosa, que inclua a possibilidade de escolher a religião e de mudar de religião. No Egito, por exemplo, esta possibilidade só existe num sentido, no da conversão ao Islã. Isto significa também que os cristãos não podem propor a sua fé a outros. Em alguns países há sérias restrições à importação de bíblias e de outros artigos religiosos cristãos.
 
O lugar na sociedade
 
De uma maneira geral, os cristãos têm dificuldade em ascender a lugares de responsabilidade, pelo que se encontram poucos cristãos em lugares importantes nos círculos governamentais. Houve sempre exceções. Na Idade Média era quase sempre um copta cristão que era encarregado das finanças (talvez se tivesse a impressão de que um cristão seria mais honesto). Ainda hoje, o Ministro das Finanças é da família Butros Gali. Também é difícil para os cristãos serem nomeados professores nas universidades do Estado, ou até para instituições de investigação. Em consequência disto, a maior parte dos cristãos com formação envereda pelas profissões liberais. São médicos, farmacêuticos, advogados, arquitetos etc. Outros trabalham em bancos. Alguns são professores do ensino primário ou secundário. É claro que também há cristãos nas zonas rurais que estão longe de ser ricos. Por outro lado, há cristãos empenhados nos negócios, e as pessoas mais ricas do Egito são, de fato, coptas ortodoxas.
 
A vida conjugal
 
Na sociedade islâmica, o casamento é muito bem visto. De fato, segundo um hadith, um dito do Profeta, o casamento é metade da religião. Isto significa que a prática da coabitação quase não existe. No Egito é considerada crime. Mas casar-se sai caro. O jovem tem de ter uma casa ou um apartamento para oferecer à sua futura noiva, e esta, por sua vez, tem de fornecer algum equipamento para a casa, e os preços têm aumentado imensamente. Os membros da família associam-se para ajudar aquele/a que pretende casar.
 
Uma vez que os cristãos estão em minoria, pode, por vezes, haver dificuldade em encontrar um companheiro adequado. Na comunidade católica, que é constituída por sete ritos diferentes, é frequente uma pessoa casar com alguém de uma comunidade diferente e, nesse caso, a noiva é integrada na comunidade do noivo. Os casamentos mistos acontecem sobretudo com coptas ortodoxos, que são, de longe, os cristãos mais numerosos do Egito. Aqui pode haver dificuldades, uma vez que, normalmente, a Igreja Copta Ortodoxa exige o rebatismo da mulher que deseja integrar-se na comunidade pelo casamento.
 
Há também a questão dos casamentos que ultrapassam as fronteiras religiosas, isto é, entre cristãos e muçulmanos. Como talvez saibam, segundo a doutrina estrita do Islã, não é permitido a uma mulher muçulmana casar com um não muçulmano. Isto significa que um cristão que queira casar com uma mulher muçulmana tem de se converter ao Islã. Infelizmente, isto às vezes acontece. Por outro lado, um muçulmano pode casar-se com uma mulher não muçulmana, e oficialmente a mulher cristã não tem que abdicar da sua religião. Na realidade, contudo, pode exercer-se uma pressão sobre ela para que se torne muçulmana, não necessariamente da parte do marido, mas da família deste. Uma vez que os filhos serão, normalmente, criados como muçulmanos, considera-se preferível que a mãe seja da mesma fé. A conversão assegura-lhe também o direito à herança, direito de que não gozaria se se mantivesse cristã.
 
É evidente que a passagem para o Islã pelo casamento e o fato de os filhos nascidos desses casamentos acabarem quase sempre por ser muçulmanos, leva as Igrejas cristãs a adotar uma atitude muito negativa em relação a estes casamentos que atravessam fronteiras religiosas. Segundo o Direito Canônico, o bispo pode conceder uma dispensa por disparidade de culto. Porém, na maioria dos países do Oriente Médio, a dispensa nunca é concedida. Não é assim que se passa em todo o mundo. Lembro-me de que, em 1987, durante uma assembleia plenária do então Secretariado para os Não Cristãos, sugeriu-se que fosse redigido um documento sobre casamentos entre cristãos e muçulmanos. Esta sugestão levantou oposição em quadrantes diferentes. Um bispo do Oriente Médio declarou que tais casamentos nunca eram permitidos, o que terminou a discussão, enquanto um bispo da Indonésia pediu que não se fizesse nenhum documento do gênero, pois, se não houvesse casamentos entre cristãos e muçulmanos, a Igreja nunca cresceria na Indonésia.
 
Outra consequência da percepção do perigo de casamentos com muçulmanos é o fato de as famílias cristãs e as Igrejas fazerem o possível por evitar que os jovens cristãos e os jovens muçulmanos se encontrem socialmente. Daí a importância dos clubes organizados pelos vários ritos cristãos, em que os jovens cristãos se podem encontrar num ambiente seguro.
Embora o divórcio seja permitido pelo Islã e a sua prática seja frequente, parece que o divórcio não é frequente nas comunidades cristãs. Uma das razões para isto é o fato de num país como o Egito não haver casamento civil e de as Igrejas recusarem celebrar segundos casamentos. Embora um código de estatuto pessoal para as Igrejas coptas ortodoxas, elaborado em 1938, permita o divórcio por dez motivos diferentes, o atual Papa copta recusou-se a autorizar segundos casamentos. Recentemente, foi preparada uma revisão ao código, que não aceita senão o adultério como motivo de divórcio. Em reação ao que consideraram ser uma atitude exageradamente fechada da sua Igreja, alguns coptas converteram-se ao Islã para poderem introduzir num tribunal islâmico um caso de divórcio. Em alguns casos, voltaram a seguir ao Cristianismo, mas tiveram dificuldade em obter das autoridades públicas o reconhecimento da sua reconversão. A conversão do marido ao Islã tem consequências graves, pois os filhos ainda menores são automaticamente considerados muçulmanos. Isto tem provocado algumas situações muito tristes.
 
Preparação para o casamento
 
No Cairo existe o Instituto S. José para a Família e para a Vida que organiza cursos para noivos. Dada a elevada taxa de casamentos inter-igrejas, muitos dos participantes nestes cursos são cristãos ortodoxos, geralmente gregos ortodoxos ou armênios ortodoxos, mais do que coptas ortodoxos, que provavelmente não teriam a aprovação dos seus próprios padres para frequentar estes cursos. Os quadros do Instituto também ajudam a organizar cursos mais breves em outras partes do Egito. Há um reconhecimento cada vez maior da necessidade não só de preparação para o casamento, mas também de acompanhamento dos casais jovens. O bispo católico armênio, que participou das ENS na sua cidade de Alepo, tem reuniões do tipo ENS com alguns casais da sua comunidade, mas haveria possibilidade de promover mais amplamente as ENS.
 
As possibilidades de missão
 
A atividade missionária direta na maior parte dos países muçulmanos é geralmente proibida. Como podem então os cristãos empenhar-se na difusão do Evangelho? Uma das formas principais de a Igreja poder chegar à população muçulmana é através da escola. Os pais muçulmanos continuam a mandar os filhos às escolas geridas por várias congregações religiosas, embora alguns sejam atraídos pelas novas “escolas de línguas”, isto é, escolas em que o ensino é ministrado em inglês ou em francês. Estas escolas, estabelecidas segundo o modelo de empresas privadas, oferecem muitas vezes melhor equipamento para as ciências e para o desporto, bem como para as tecnologias de informática. No entanto, as escolas cristãs são bem consideradas, não só pelo nível de instrução que ministram, mas também pela sua cultura. O contato com os alunos, assim como com os professores e os pais, constitui uma oportunidade para partilhar os valores evangélicos.
 
Outro campo que se abre às Igrejas cristãs é o do serviço social. Muitas comunidades religiosas têm dispensários, por vezes com clínicas especiais para mães e filhos. Também há centros de educação de adultos, centros de formação para ofícios e esquemas de microcrédito. Dentro da Igreja Católica, a coordenação em grande parte é feita pela Caritas Egito, que tem excelentes relações com o Ministério dos Assuntos Sociais. Através desta ação, os cristãos são capazes de pôr em prática o mandamento do amor ao próximo, sem distinções de raça ou de religião, mas com uma atenção especial aos pobres. Mostram o seu respeito pela dignidade humana, pela dignidade de cada pessoa, em quem veem Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem que se identificou com todas as pessoas necessitadas.
 
Estas atividades organizadas não dispensam cada cristão de dar testemunho. Esta é talvez a forma de missão mais importante.
 
As possibilidades de diálogo
 
Atualmente, em quase todas as regiões do mundo, os cristãos e os muçulmanos têm contato uns com os outros. Muitas vezes, porém, há muito pouco diálogo verdadeiro. Isto, em parte, pode ser devido à ignorância da outra religião, que pode existir mesmo quando as comunidades vivem lado a lado desde há séculos. Há um conhecimento superficial da outra, e os preconceitos abundam. Por vezes, o medo também está presente; do lado dos cristãos, o medo de não serem capazes de explicar a fé e, do lado dos muçulmanos, o medo de que os cristãos queiram destruir o Islã. Estes medos são ampliados por artigos de natureza polêmica e por programas emitidos na televisão por satélite que atacam a outra religião. Assim, para a maior parte das pessoas, há uma “linha vermelha”, uma barreira que não pode ser ultrapassada e, por conseguinte, evita-se todo e qualquer diálogo profundo sobre questões religiosas.
 
No Egito, os chefes das comunidades visitam-se mutuamente por ocasião de festas, e o discurso habitual é sobre a unidade da nação. Embora isso seja útil, não se pode considerar um verdadeiro diálogo. O diálogo que acontece é mais de natureza secular, com a participação de cristãos e de muçulmanos que não representam as respectivas comunidades. Por exemplo, tem havido discussões sobre cidadania, prevista na Constituição, e as suas implicações. Outro exemplo, uma organização de combate à discriminação religiosa que foi fundada por um muçulmano e à qual pertencem cristãos. Há também bastante cooperação no campo social.
 
Assisti a uma reunião regional organizada pela Caritas sobre o problema da SIDA, da qual participaram vários imãs. Em alguns países, cristãos e muçulmanos têm colaborado no sentido de criarem associações a favor das pessoas portadoras de deficiência.
 
Há países em que existe diálogo entre cristãos e muçulmanos. O Líbano tem um fórum oficial para esse diálogo. Tem também um instituto para as relações islâmico-cristãs, ligado à Universidade de S. José, dirigida por jesuítas, que ajuda a formar jovens para um diálogo mais profundo, que ultrapasse as barreiras religiosas. O Movimento Focolares tem encorajado os seus amigos muçulmanos, sobretudo na Argélia, a encontrar na tradição islâmica paralelos à Palavra de Vida proposta todos os meses, que é uma meditação sobre um texto das Escrituras. Os muçulmanos partilham com os cristãos a maneira como procuram pôr em prática essa Palavra.
 
No sul das Filipinas, o Movimento Silsilah reúne cristãos e muçulmanos para sessões de formação conjunta, bem como para atividades a favor da harmonia e da paz na região.
 
Para se iniciar um diálogo, é necessário vencer o medo e estabelecer uma confiança mútua. É bom começar com assuntos de interesse comum. Entre estes está o casamento e a família, pois há uma preocupação comum com os ataques aos valores da família que reinam no mundo ocidental e que são propostos como conquistas favoráveis à liberdade individual. Foi este o tema proposto este ano pela Mensagem para o fim do Ramadão dirigida aos muçulmanos pelo Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso. Esta mensagem diz: “Dada a grande estima que muçulmanos e cristãos têm pela família, já tivemos muitas ocasiões, a nível tanto local como internacional, de trabalhar juntos neste campo. A família, o lugar em que o amor e a vida, o respeito pelos outros e a hospitalidade se encontram e se transmitem, é verdadeiramente a célula fundamental da sociedade”.
 
Conclusão
 
Esta apresentação esquemática de um assunto tão vasto mostrou a situação difícil em que muitos cristãos se encontram em meio a muçulmanos. As dificuldades levam a uma dupla tentação. A primeira consiste em estar completamente na defensiva, procurando satisfazer todas as necessidades dos membros da nossa própria comunidade, reduzindo ao mínimo os contatos com a outra comunidade. A segunda consiste em procurar estabelecer a família em outro lugar do mundo em que haja maior liberdade. Todas as comunidades cristãs do Oriente Médio têm sofrido perdas através da emigração.
 
Embora compreendendo o desejo dos pais de darem aos filhos um futuro melhor, os responsáveis da Igreja têm sempre insistido na missão que os cristãos têm no mundo muçulmano em que vivem. Seria uma perda para os cristãos, mas também para os muçulmanos, se o Cristianismo desaparecesse do Oriente Médio. Os casais sinceramente convictos na sua fé, que se esforçam por transmitir essa fé aos seus filhos, têm um papel importante em manter vivas essas comunidades cristãs. Possam eles encontrar força no apoio dos seus irmãos e das suas irmãs do mundo inteiro para poderem realizar aquilo a que S. Pedro exorta os cristãos: “no íntimo do vosso coração, confessai Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça; com mansidão e respeito, mantende limpa a consciência, de modo que os que caluniam a vossa boa conduta em Cristo sejam confundidos, naquilo mesmo em que dizem mal de vós” (2Pe 3,15-16).